Por que São John Henry Newman é também “Doutor da missão”? Cardeal Tagle explica

4 de novembro de 2025 . Notícias em Geral

Traz a data de 1º de novembro, Solenidade de Todos os Santos, o quirógrafo do Papa Leão com o qual se estabelece que São John Henry Newman é Santo Patrono da Pontifícia Universidade Urbaniana. Uma decisão que chega no dia em que, com a Missa celebrada na Praça São Pedro em ocasião do Jubileu do Mundo Educativo, o cardeal inglês se tornou Doutor da Igreja.

Publicamos as palavras do cardeal Tagle, lidas na abertura do Ato Acadêmico promovido pela Pontifícia Universidade Urbaniana por ocasião da proclamação de São John Henry Newman como Doutor da Igreja.

O Ato Acadêmico, intitulado “A Vocação de um Doutor na Igreja: São John Henry Newman, do Colégio de Propaganda à Igreja Universal”, teve lugar no Auditório João Paulo II da Pontifícia Universidade Urbaniana. Durante o evento, o Prof. Vincenzo Buonomo, delegado pontifício e reitor da Universidade, leu o Quirógrafo com o qual o Papa Leão XIV proclamou São JJohn Henry Newman, Santo e agora Doutor da Igreja, como Patrono da Pontifícia Universidade Urbaniana.

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Por Luis Antonio Gokim Tagle*

É ainda viva em todos nós a recordação de quando, dois dias atrás, o Papa Leão XIV declarava São João Henry Newman Doutor da Igreja e, juntamente com São Tomás de Aquino, “co-patrono da missão educativa da Igreja”. Sentimos uma alegria particular com esta declaração, pois Newman foi aluno do Colégio de Propaganda, onde estudou teologia de 1846 a 1847, em preparação à sua ordenação como sacerdote católico.

Ao celebrarmos o novo Doutor da Igreja, gostaria de sugerir que aprofundemos nossa reflexão sobre seu papel como um importante mestre para todos os envolvidos na missão evangelizadora da Igreja. Considero que um aspecto importante a figura de Newman como ex-aluno do Colégio de Propaganda e agora Doutor da Igreja Universal é o de ser um “Doutor da missão”.

Gostaria apenas de destacar três pontos sobre os quais poderíamos refletir.

Em primeiro lugar, aqueles que se dedicam à missão, que buscam convidar os outros à alegria da fé, podem se beneficiar muito dos ricos escritos de São John Henry Newman sobre o ato de fé, sobre como as pessoas chegam à fé. De fato, Newman era profundamente consciente da crise de fé pela qual passava a Grã-Bretanha e a Europa do século XIX. Tratava-se de uma questão que o afetava pessoalmente, pois seu irmão mais novo, Francis Newman, outrora um fervoroso evangélico, havia abandonado a fé cristã e suas doutrinas, desenvolvendo uma própria fé unitária.

São John Henry Newman rejeitava a ideia superficial de que a fé fosse um ato de puro intelecto ou uma escolha intelectual, uma decisão tomada depois que à mente haviam sido apresentadas provas convincentes. Isso o levou, em vários escritos — a partir de The Arians of the Fourth Century de 1833 aos University Sermons de 1843, até a sua expressão mais madura que na Grammar of Assent de 1870 — a explorar como o ato de fé dependia das disposições pessoais e morais da pessoa, mais que do puro intelecto. A adesão à fé dependia não somente do estar convencidos por argumentos racionais, mas da existência de determinadas disposições, como a confiança, a humildade, a abertura, odesejo.

Ele indicava que não se pode levar outros à fé simplesmente apresentando os melhores argumentos; antes disso, se deve procurar formar os corações e ampliar a imaginação, alargando a capacidade da mente e do coração de poder receber a revelação de Deus. Estamos diante de uma posição que é, por um lado, parte do método teológico quanto da ação pastoral. Uma posição que aqueles que se dedicam à ação evangelizadora devem aprender, preservar e praticar.

Em segundo lugar, quem está comprometido com a missã, pode aprender com Newman a não temer a mudança e o desenvolvimento na Igreja. Newman começou seu famoso Essay on the Development of Doctrine (“Ensaio sobre o Desenvolvimento da Doutrina”) em 1844 para responder à turbulência interior que estava vivenciando. Ele se sentia atraído pela Igreja de Roma, mas estava familiarizado com a acusação de que a Igreja Católica havia abandonado a fé primitiva, a Igreja das origens, com suas numerosas adições à fé pura transmitida pelos Apóstolos.

Newman encontrou luz na ideia de desenvolvimento: que uma mensagem rica como aquela que é própria da mensagem cristã requer tempo e gerações para se desdobrar e ser compreendida; além disso, o desenvolvimento ocorre graças a um processo contínuo no qual os cristãos recebem, interpretam e fazem do Evangelho algo próprio em suas circunstâncias culturais particulares e nos eventos históricos em que estão imersos. Um dos critérios que Newman identifica para um desenvolvimento autêntico ou verdadeiro da fé é seu “poder assimilativo”, ou seja, a capacidade do cristianismo de incorporar elementos de novas culturas ou contextos como formas de expressar o Evangelho, sem perder sua própria identidade.

Em outras palavras, para Newman, a novidade e a mudança não são uma traição da identidade, mas sim necessárias para que a identidade cristã seja acolhida, compreendida e vivida em diversas pessoas e circunstâncias, e assim preservada.

Newman, portanto, nos encoraja a sermos confiantes e criativos na inculturação da fé.

Como terceiro e último ponto, convido a refletir sobre o fato de que, em nosso compromisso com a construção de Igrejas particulares, podemos nos enriquecer com as percepções fundamentais de Newman sobre a importância dos leigos e o significado crucial de sua educação e formação. Seu ensaio de 1859, On Consulting the Faithful in Matters of Doctrine, não foi amplamente aceito ou considerado na época, mas suas ideias foram confirmadas pelo Concílio Vaticano II, especialmente no Decreto Apostolicam Actuositatem. Newman não negava que, na Igreja, o munus docendi, que expressa a função doutrinal, pertença à hierarquia. No entanto, ele também insistia que os leigos não eram meros receptores passivos da Verdade, mas participantes ativos na transmissão e no testemunho da verdade do Evangelho.

Ele causou grande alvoroço quando, em apoio a essa visão, citou o exemplo histórico de como, no século IV, durante um breve período da controvérsia ariana, muitos bispos e teólogos caíram na heresia de Ário, enquanto a grande maioria dos batizados permaneceu fiel à verdade da divindade de Cristo.

Daí a insistência de Newman na importância de um laicato ativo e bem preparado, para que, usando sua bela expressão, pudesse haver uma conspiração, uma respiração conjunta de pastores e fiéis, para dar um testemunho unido do Evangelho.

Esses são apenas alguns exemplos das áreas que poderiam ser exploradas enquanto celebramos o novo Doutor da Igreja, particularmente em nossa Universidade, que tem um interesse especial em missão. Por essa razão, todos somos chamados a ouvi-lo e invocá-lo como o “Doutor da Missão”.

*Pró-Prefeito do Dicastério para a Evangelização (Seção para a Primeira Evangelização e Novas Igrejas Particulares), Grão-Chanceler da Pontifícia Universidade Urbaniana

Vatican News com Agência Fides
Imagem capa: Pixabay